sábado, 2 de agosto de 2008

Denise Beineke


O “Música no Museu” completou um ano. A Denise quando começou este projeto certamente não imaginava a repercussão que teria. E aí está. Um ano de casa cheia. Não teve um só sarau em que não ficavam espectadores em pé e a janela do museu sempre teve de ser aberta para que as pessoas pudessem assistir ao espetáculo pelo lado de fora.

Pelo palco do Museu Carlos Nobre durante este ano, passaram músicos amadores, aspirantes a músicos, músicos profissionais, poetas, atores, dançarinos, declamadores, escritores, enfim, esta é a grande mágica da professora Denise: Mostrar para as pessoas que elas são capazes de despertar seus talentos, crescer como seres humanos, enfrentar seus medos, e alcançar o paraíso pelas suas próprias forças e pelos seus próprios méritos.

Cada vez mais estamos sendo treinados para sairmos de nossas casas somente para trabalhar e executar tarefas estritamente necessárias, voltando em seguida para as nossas “tocas” com grades, cercas elétricas, cadeados e segurança 24 horas, para assistirmos ao espetáculo da vida pela televisão, pela internet e pela TV a cabo. Estamos exercitando o egoísmo. Somos consumidores de felicidade. Compramos o que nos dizem para comprar. Sonhamos com o carro novo e nem lembramos que o nosso foi novo no ano passado. Mal tiramos o MP-3 da caixa e já precisamos de um quatro. Nossos filhos sonham com um Play 2 e quando finalmente conseguimos comprá-lo, descobrimos que estão infelizes por não terem um Play 3. Está na hora de nos darmos conta que fomos envolvidos por uma espiral infindável que explora nossos sentimentos de busca pelo que já temos dentro de cada um de nós.

Assim, outra mágica aconteceu no lado de cá do palco. Pessoas que aprenderam e estão aprendendo a sair de suas casas para assistir às habilidades artísticas de um filho, neto, pai, mãe, irmão, amigo ou vizinho, estão descobrindo a si próprios e exercitando sua cidadania. Estão reaprendendo a conviver em sociedade e a dividir o mesmo espetáculo com outras pessoas. Estão aprendendo a emocionarem-se com o que elas próprias poderiam realizar. Se Você nunca assistiu a um Sarau da professora Denise no Música no Museu que acontece às vinte horas do primeiro sábado de cada mês no Museu Carlos Nobre, venha. Você vai se surpreender com o que você é capaz de realizar.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Fragmentos I


Um Juiz às Direitas

Um ricaço muito avarento perdera um saquitel com boa soma de dinheiro em ouro. Deitou logo anúncios nas folhas, prometendo cem táleres de alvíçaras a quem lho restituísse. Um camponês, que tinha encontrado o saco, foi contentíssimo entregá-lo ao nosso homem. Este contou e tornou a contar o dinheiro, e, depois de certificar-se de que nada faltava, disse com a maior serenidade para o camponês:
“Deviam estar aqui dentro oitocentos táleres; não encontro senão setecentos; vejo que vossemecê teve o cuidado de tirar por suas próprias mãos os cem que eu tinha prometido: estamos pagos.”
O Campônio ficou pasmado, porque não tinha tocado no dinheiro, e semelhante recompensa de modo algum o podia satisfazer. “Vamos ao Sr. Juiz,” exclamou ele muito azedado com a história; “não, senhor, isso não fica assim; vamos ao Sr. Juiz e o que ele disser é o que se faz.” Foram. O Juiz ouviu um e outro com a maior atenção, pensou um pouco sobre o caso, e por fim saiu-se com esta sentença:
“Vossemecê,” disse ele, voltando-se para o ricaço, “perdeu um saco com oitocentos táleres, e vossemecê,” continuou o magistrado, dirigindo-se para o campônio, “achou um saco com setecentos táleres. Muito bem. Está provado que o saco que vossemecê achou, não é o mesmo que este senhor perdeu; e portanto tome vossemecê outra vez conta dele, e guarde-o até que apareça alguém a reclamá-lo.” “Quanto ao meu amigo,” concluiu o juiz voltando-se novamente para o avarento, com um risinho de escárneo, “não tem outro remédio senão ficar esperando com paciência que lhe apareçam os oitocentos táleres.”

In “Seleta em Prosa e Verso” de Alfredo Clemente Pinto, Editora Martins Livreiro com primeira edição em 1884. O Autor não informa a origem deste texto, se alguém souber...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Perspectivas

Divido o espaço onde vivo, com minha mulher, meus dois filhos e três ex-moradores de rua. A primeira chegou há dezessete anos atrás. Foi chegando, como quem não quer nada, entrou pela casa como se dela fosse e claro, jogou um pouquinho de charme e logo estávamos totalmente apaixonados. Ela conquistou todos nós (na época éramos somente três, eu, a Denise e nossa filha Hannah) com o carinho que ela distribuía fartamente, o que lhe valeu o nome de “Carinhosa”. Era uma linda gata siamesa. Acredito que ela tivesse na época algo em torno de um ano de idade, talvez um pouco menos, o que a torna hoje uma anciã felina de mais ou menos dezoito anos. Durante todos estes anos ela nos acompanhou nos altos e baixos que enfrentamos, foi amiga e companheira de brincadeiras da Hannah, e mais tarde do nosso filho Carl, que logo aprendeu a gostar de gatos também. Um dia ele apareceu com o gato que chamamos de Mingau pois é todo branco com uma porção cor-de-canela na cabeça e recentemente ele salvou o terceiro morador felino da nossa casa, a chutes e pontapés da boca de um cachorro. Este levou o nome de Gatinho, inspirado pelo livro que o Carl adorava quando pequeno que era “Um Gato Chamado Gatinho” do Ferreira Gular. Mas a convivência com a “Carinhosa” durante tanto tempo nos mostra a importância das relações duradouras e baseadas no amor, no afeto, na compreensão e na amizade. Foi com ela que aprendemos a ficar unidos, e era ela que nos esperava sempre que chegávamos em casa. Já convivemos com uma “Carinhosa”, jovem, cheia de vitalidade, sempre linda e bem disposta e agora ela nos ensina uma lição definitiva. Com o passar dos anos, lentamente ela foi encolhendo. Emagreceu. Perdeu pêlos. E quando ponho ração nos potes imediatamente os dois felinos-obesos da casa percebem o ruído característico e aparecem para comer. A Carinhosa não. Ela já não ouve bem e muitas vezes precisamos despertá-la do seu sono para levá-la até seu alimento. O seu olfato, outrora tão aguçado, já não é tão eficiente. Quando compro uma comida de marca diferente, precisamos por um pouquinho no seu focinho para que ela se dê conta de que se trata de comida. Ao aprendermos a conviver com a velhice da “Carinhosa” estamos tendo a grande oportunidade de por nossas próprias vidas em perspectiva. Costumamos olhar nossos álbuns de fotografias e lembramos por onde andamos, como já fomos e como eram os nossos amigos. O que não encontramos nas fotografias é como seremos. A Carinhosa é uma espécie de fotografia do nosso futuro. Sem dúvida, se tivermos sorte, chegará o nosso dia em que precisaremos de uma mão amiga que nos mostre o caminho que nos alimente e de um colo amigo que nos aqueça e dê abrigo, onde possamos deitar e sonhar alegremente com o que já fomos.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Inalterado por mãos humanas

Estou tentando encontrar um livro que um cliente me encomendou e até agora não consegui encontrar nenhum exemplar disponível. Fico maluco quando isto acontece. Procuro "Inalterado por mãos humanas", de Robert Schekley, um livro de ótimos contos de ficção científica. Profundamente mergulhado no meu trabalho sou despertado por um “Olá” de um rapaz de uns trinta anos, bem vestido, bem penteado, enfim, de aparência normal e me pergunta se eu sei em que andar fica a sala 402. Fiquei olhando para o moço e tive que reprimir a grande vontade de dizer-lhe que os edifícios não seguem lógica nenhuma e que ele precisa subir pelas escadas e verificar todas as salas uma a uma, andar por andar, até encontrar o 402. Não consegui. Disse-lhe apenas que a sala que ele procurava ficava no quarto andar e ainda indiquei a direção do elevador para prevenir que o pobre não volte para perguntar por onde subir. Neste caso eu certamente teria que reprimir uma louca vontade de dizer-lhe que ele precisa procurar o cipó do lado de fora do prédio. Mas, enfim, o homem seguiu agradecido e eu pude voltar à caça de Robert Schekley e seu livro fujão.

Meus Heróis

Aproximou-se do meu balcão, um rapaz de seus dezesseis anos, um pouco mais um pouco menos, e de forma tímida, envergonhada e quase sussurrando pergunta se tenho “metamorfose de frantis káfica”. Procurei conversar um pouco com ele, para deixá-lo mais à vontade. Contou-me que foi sua professora que lhe indicou Kafka e que estava ansioso para começar a lê-lo e saiu feliz com o seu “Metamorfose” na mochila. Enquanto via o rapaz sair, fiquei pensando em como o ato de pedir um livro neste país deve ser bem mais difícil e vexatório do que comprar maconha ou cocaína ou como no meu tempo de rapazote quase morríamos de vergonha para conseguir uma camisinha de vênus. Hoje está tudo liberado. Menos o livro. Os leitores são tão raros que comprar um livro está se tornando um ato quase subversivo. Pensando bem, é um ato subversivo. Num mundo onde o normal é a violência, a droga, e a corrupção, um livro pode ser a nossa subversiva salvação. E nesta guerra já estou vislumbrando meus heróis: Professores e professoras que ousam enfrentar as milícias da estupidez, fornecendo armas a combatentes ferrenhos e determinados, ainda um pouco tímidos e envergonhados, mas com seus livros nas mochilas e sem receio de serem vencidos pela ignorância.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Leitores, não-leitores, estatísticas etc.

Pesquisa recente demonstra que 58% dos brasileiros não leram nenhum livro durante todo o ano de 2007. Fico imaginando como será a vida destes cidadãos, no que eles pensam ou como eles fazem para tomar suas decisões. Sem o livro como formador de opinião, o não-leitor acaba indo na conversa dos outros para formar suas opiniões e tomar suas decisões. Fica fácil entender porque somos governados por estes senhores e senhoras que dominam os cenários políticos por todos os recantos do país. Eles aparecem nos programas e propagandas políticas, nos tele-jornais e no rádio e despejam os seus "rosários" de asneiras sobre a audiência e, pior, acabam convencendo e se elegendo. Stanislau Ponte Preta (Sérgio Porto) deve estar se revirando na sepultura (de tanto gargalhar, é claro), pois o que ele já chamava de FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o País) hoje foi multiplicado milhares de vezes e está ficando complicado por que a maioria do povo brasileiro não acha engraçado e nem se dá conta das besteiras que encontra pela frente. Falta o livro. Acho que a pior coisa que poderia acontecer aos nossos governantes e aspirantes a governantes, seria se por uma mágica ou encanto ou sei-lá-o-quê o povo brasileiro de uma hora para outra começasse a ler.

Leitores

Uma cliente aparece na livraria de tempos em tempos e caminha tranqüilamente entre as prateleiras e expositores. Às vezes ela se detém diante de uma estante e consulta algo em sua bolsa. Todas as vezes em que apareceu, nunca deixou de comprar um livro pelo menos. Mas esta atitude de sempre consultar um papelzinho estava me deixando intrigado. Depois de muito espichar de pescoço e discretas incursões, consegui finalmente ver do que se tratava. Eu já deveria ter desconfiado. Era a lista dos livros mais vendidos de uma revista semanal.

Não-leitores

Um amigo certo dia confidenciou-me que nunca tinha lido um livro. Fiquei curioso: Como poderia ter acontecido uma coisa dessas? Ele tem nível superior (Engenharia), cursou todos os ciclos do sistema educacional brasileiro e formou-se sem nunca ter lido um livro sequer! A Explicação foi simples: Ele sempre conseguia com um colega ou outro, um resumo ou uma fotocópia da parte do livro que interessava para executar o seu trabalho escolar. E assim ele foi levando... até se formar. Aqui encontramos um grande problema da literatura no Brasil. Nós não ensinamos aos nossos jovens a ler e muitos profissionais formam-se nas universidades lendo fotocópias e não livros.

Brasileiro não vive sem rádio.

Um slogan da Associação Gaúcha das Emissoras de Rádio, diz exatamente isso: “O Brasileiro não vive sem rádio”. Já pensaram se “ O Brasileiro não vivesse sem livro”? Certamente nossa realidade seria outra. Parece que no Brasil a era eletrônica chegou antes do livro e o pior é que a era digital também está chegando antes. Muitos brasileiros não lêem mas tem internet em casa.

sábado, 21 de junho de 2008

Histórias de Livreiro II "Ser Livreiro"

 

Atendo ao telefone e uma voz feminina imediatamente indaga:

- Moço! O Senhor tem toner para impressora?

Mal consigo responder negativamente e ela continua:

- E papel ofício tamanho A4? 

Procurei adiantar-me para evitar que ela pergunte mais alguma coisa e consegui explicar que eu trabalhava somente com livros e não tinha nem suprimentos nem material de escritório.

Antes de desligar ela disparou:

- Ah! Coitado!

Ainda segurando o telefone, tentei entender. Será que trabalhar com livros parece ser tão ruim assim?

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sábado, 14 de junho de 2008

Brasileiros em Portugal

Esta pérola eu encontrei no blog O LIVREIRO, onde entre outros deliciosos textos, o autor conta a história de uma brasileira numa livraria em Portugal:

...Outro momento interessante foi protagonizado por uma senhora brasileira que julga se movimentar pela alta sociedade e possuir uma classe inigualável. Primeiro ficou chocadíssima porque não tínhamos a biografia do Eric Clapton (ou Eriki Clapiton), quando já a tinha visto à venda no Brasil. “Tem no Brasil e aqui não!”, disse, chocada. Pois, filha, pensei eu. Com o Dengue já são duas coisas que vocês têm e nós não, é uma maçada. Depois pediu a biografia da, e passo a citar, Rrrraudrey Rrrepburrn, ou Audrey Hepburn para os leigos. Pensei, por momentos, que a senhora ia cuspir um pulmão, tal a dificuldade em pronunciar Audrey Hepburn.

http://olivreiro.blogspot.com

Cascais

História de Livreiro I

Estava eu tranquilamente no balcão da livraria, quando entrou um cidadão com cara de quem não é muito chegado às letras e perguntou se tinha algum livro sobre couro. Fiquei até preocupado; seria algum livro técnico? Mas, enfim, como não encontrei nada, o sujeito despediu-se e ainda comentou que o livro seria para a filha dele, e que voltaria caso lembrasse do título mas que agora ele só lembrava que tinha algo a ver com couro e foi embora. Passados alguns mintutos, o homem voltou e ainda da porta gritou: - Lembrei o nome do Livro! É O Corão!

Levei alguns minutos até parar de rir e conseguir atender o homem.

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Campanha do livro Lemniscata

Muito interessante a forma como está sendo divulgado o livro "LEMNISCATA" O Enigma do Rio, de Pedro Drumond pelo selo Suma de Letras da Objetiva. Todo mundo que usa o Orkut, cita livros no seu perfil e participa de alguma comunidade relacionada a livros e afins, recebe uma mensagem de uma pessoa que diz que leu o "Lemniscata", que é muito bom, que vale a pena lê-lo, enfim, essas coisas. A gente fica no mínimo curioso.

Lemniscata

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Iniciando o Blog

A idéia de um blog de livreiro não é nova, mas assim como outros colegas, certamente terei algumas histórias para contar. Quando se passa 10 horas por dia no balcão de uma livraria, entre uma e outra tarefa burocrática como produzir listas de compras, contatar editoras e distribuidores, conferir e preparar acertos de consignações, acontecem situações que certamente merecem ser lembradas. Aos poucos passarei a relatá-las aqui, para quem tiver paciência e a curiosidade suficiente para acompanhar-me neste blog.

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No Sebo

Estupidez de arrepiar.

Um rapaz jovem entrou na livraria com uma expressão de quem não estava muito à vontade. Logo percebi que livros não eram a sua "praia", mas que seja: fui atendê-lo. – Vocês compram livros usados? Sim, respondi. É o que fazemos aqui quando não temos coisa melhor para fazer. –E quanto o senhor paga pelo livro velho? Expliquei que ele teria que trazer os livros ou que iríamos até seu endereço para fazer a avaliação. –Mas é só um que eu tenho. Interrompeu o rapaz. - E um amigo me explicou que é um livro muito raro. É um livro do Shakespeare, e é do tempo em que ele ainda escrevia em português. E foi além: -Só muito mais tarde é que ele aprendeu a escrever em inglês, sabe?Deve valer uma fortuna! Minha surpresa foi tamanha que só consegui dizer que “livros com tamanha raridade” eu não trabalhava e que ele precisaria procurar alguém mais especializado em Porto Alegre. O rapaz agradeceu e saiu. Só depois de rir muito é que me dei conta da maldade que cometi. Agora, fazer o quê?