quinta-feira, 26 de junho de 2008

Inalterado por mãos humanas

Estou tentando encontrar um livro que um cliente me encomendou e até agora não consegui encontrar nenhum exemplar disponível. Fico maluco quando isto acontece. Procuro "Inalterado por mãos humanas", de Robert Schekley, um livro de ótimos contos de ficção científica. Profundamente mergulhado no meu trabalho sou despertado por um “Olá” de um rapaz de uns trinta anos, bem vestido, bem penteado, enfim, de aparência normal e me pergunta se eu sei em que andar fica a sala 402. Fiquei olhando para o moço e tive que reprimir a grande vontade de dizer-lhe que os edifícios não seguem lógica nenhuma e que ele precisa subir pelas escadas e verificar todas as salas uma a uma, andar por andar, até encontrar o 402. Não consegui. Disse-lhe apenas que a sala que ele procurava ficava no quarto andar e ainda indiquei a direção do elevador para prevenir que o pobre não volte para perguntar por onde subir. Neste caso eu certamente teria que reprimir uma louca vontade de dizer-lhe que ele precisa procurar o cipó do lado de fora do prédio. Mas, enfim, o homem seguiu agradecido e eu pude voltar à caça de Robert Schekley e seu livro fujão.

Meus Heróis

Aproximou-se do meu balcão, um rapaz de seus dezesseis anos, um pouco mais um pouco menos, e de forma tímida, envergonhada e quase sussurrando pergunta se tenho “metamorfose de frantis káfica”. Procurei conversar um pouco com ele, para deixá-lo mais à vontade. Contou-me que foi sua professora que lhe indicou Kafka e que estava ansioso para começar a lê-lo e saiu feliz com o seu “Metamorfose” na mochila. Enquanto via o rapaz sair, fiquei pensando em como o ato de pedir um livro neste país deve ser bem mais difícil e vexatório do que comprar maconha ou cocaína ou como no meu tempo de rapazote quase morríamos de vergonha para conseguir uma camisinha de vênus. Hoje está tudo liberado. Menos o livro. Os leitores são tão raros que comprar um livro está se tornando um ato quase subversivo. Pensando bem, é um ato subversivo. Num mundo onde o normal é a violência, a droga, e a corrupção, um livro pode ser a nossa subversiva salvação. E nesta guerra já estou vislumbrando meus heróis: Professores e professoras que ousam enfrentar as milícias da estupidez, fornecendo armas a combatentes ferrenhos e determinados, ainda um pouco tímidos e envergonhados, mas com seus livros nas mochilas e sem receio de serem vencidos pela ignorância.

Nenhum comentário:

No Sebo

Estupidez de arrepiar.

Um rapaz jovem entrou na livraria com uma expressão de quem não estava muito à vontade. Logo percebi que livros não eram a sua "praia", mas que seja: fui atendê-lo. – Vocês compram livros usados? Sim, respondi. É o que fazemos aqui quando não temos coisa melhor para fazer. –E quanto o senhor paga pelo livro velho? Expliquei que ele teria que trazer os livros ou que iríamos até seu endereço para fazer a avaliação. –Mas é só um que eu tenho. Interrompeu o rapaz. - E um amigo me explicou que é um livro muito raro. É um livro do Shakespeare, e é do tempo em que ele ainda escrevia em português. E foi além: -Só muito mais tarde é que ele aprendeu a escrever em inglês, sabe?Deve valer uma fortuna! Minha surpresa foi tamanha que só consegui dizer que “livros com tamanha raridade” eu não trabalhava e que ele precisaria procurar alguém mais especializado em Porto Alegre. O rapaz agradeceu e saiu. Só depois de rir muito é que me dei conta da maldade que cometi. Agora, fazer o quê?