terça-feira, 22 de julho de 2008

Perspectivas

Divido o espaço onde vivo, com minha mulher, meus dois filhos e três ex-moradores de rua. A primeira chegou há dezessete anos atrás. Foi chegando, como quem não quer nada, entrou pela casa como se dela fosse e claro, jogou um pouquinho de charme e logo estávamos totalmente apaixonados. Ela conquistou todos nós (na época éramos somente três, eu, a Denise e nossa filha Hannah) com o carinho que ela distribuía fartamente, o que lhe valeu o nome de “Carinhosa”. Era uma linda gata siamesa. Acredito que ela tivesse na época algo em torno de um ano de idade, talvez um pouco menos, o que a torna hoje uma anciã felina de mais ou menos dezoito anos. Durante todos estes anos ela nos acompanhou nos altos e baixos que enfrentamos, foi amiga e companheira de brincadeiras da Hannah, e mais tarde do nosso filho Carl, que logo aprendeu a gostar de gatos também. Um dia ele apareceu com o gato que chamamos de Mingau pois é todo branco com uma porção cor-de-canela na cabeça e recentemente ele salvou o terceiro morador felino da nossa casa, a chutes e pontapés da boca de um cachorro. Este levou o nome de Gatinho, inspirado pelo livro que o Carl adorava quando pequeno que era “Um Gato Chamado Gatinho” do Ferreira Gular. Mas a convivência com a “Carinhosa” durante tanto tempo nos mostra a importância das relações duradouras e baseadas no amor, no afeto, na compreensão e na amizade. Foi com ela que aprendemos a ficar unidos, e era ela que nos esperava sempre que chegávamos em casa. Já convivemos com uma “Carinhosa”, jovem, cheia de vitalidade, sempre linda e bem disposta e agora ela nos ensina uma lição definitiva. Com o passar dos anos, lentamente ela foi encolhendo. Emagreceu. Perdeu pêlos. E quando ponho ração nos potes imediatamente os dois felinos-obesos da casa percebem o ruído característico e aparecem para comer. A Carinhosa não. Ela já não ouve bem e muitas vezes precisamos despertá-la do seu sono para levá-la até seu alimento. O seu olfato, outrora tão aguçado, já não é tão eficiente. Quando compro uma comida de marca diferente, precisamos por um pouquinho no seu focinho para que ela se dê conta de que se trata de comida. Ao aprendermos a conviver com a velhice da “Carinhosa” estamos tendo a grande oportunidade de por nossas próprias vidas em perspectiva. Costumamos olhar nossos álbuns de fotografias e lembramos por onde andamos, como já fomos e como eram os nossos amigos. O que não encontramos nas fotografias é como seremos. A Carinhosa é uma espécie de fotografia do nosso futuro. Sem dúvida, se tivermos sorte, chegará o nosso dia em que precisaremos de uma mão amiga que nos mostre o caminho que nos alimente e de um colo amigo que nos aqueça e dê abrigo, onde possamos deitar e sonhar alegremente com o que já fomos.

3 comentários:

Paulo Allama disse...

Achei interessante o teu blog...são apanhados de qualidade, tantos teus escritos, quanto as frases da importância dos livros...Tua gata mostra o nosso futuro... e nosso sócrates foi salvo por platão!!!
Parabéns,

Paulo Allama

Psy disse...

Muito bonito o texto sobre a gatinha Carinhosa :)

Parabéns, um abraço.

Marina

Lague disse...

Grande Guima, aquele que me aguenta por horas quando vou na livraria, mas pra mim o ato de comprar um livro não se resume apenas em escolher, pagar e levar, para comprar um simples pocket eu preciso de no minimo 30 minutos, 1 para compra-lo e 29 ou mais para dialogar com você...
Teu blog esta como tudo q você faz, esta de um bom gosto estupendo!

Abraço amigo, qualquer hora apareço ai para te dar meu dilheiro e levar cultura e diversão.

Wagner Lague

No Sebo

Estupidez de arrepiar.

Um rapaz jovem entrou na livraria com uma expressão de quem não estava muito à vontade. Logo percebi que livros não eram a sua "praia", mas que seja: fui atendê-lo. – Vocês compram livros usados? Sim, respondi. É o que fazemos aqui quando não temos coisa melhor para fazer. –E quanto o senhor paga pelo livro velho? Expliquei que ele teria que trazer os livros ou que iríamos até seu endereço para fazer a avaliação. –Mas é só um que eu tenho. Interrompeu o rapaz. - E um amigo me explicou que é um livro muito raro. É um livro do Shakespeare, e é do tempo em que ele ainda escrevia em português. E foi além: -Só muito mais tarde é que ele aprendeu a escrever em inglês, sabe?Deve valer uma fortuna! Minha surpresa foi tamanha que só consegui dizer que “livros com tamanha raridade” eu não trabalhava e que ele precisaria procurar alguém mais especializado em Porto Alegre. O rapaz agradeceu e saiu. Só depois de rir muito é que me dei conta da maldade que cometi. Agora, fazer o quê?